Ida sem volta
Acordou bela, prendeu os cabelos e se foi. Bateu atrás de si a porta. Uma batida seca e única. Aquela porta que tempos atrás a tinha levado ao paraíso.
Caminhou pela rua em passos largos, decididos. Olhou o mar e se perdeu na imensidão. Olhou para si e se achou na pequenês. Descobriu que ninguém é melhor do que a vida. Vida, essa palavra pequena recheada de significado.
Foi até a padaria, pediu um café e se sentou. Tragou o aroma e o líquido quente escorreu garganta abaixo num gole só. Tamanha voracidade queimou a língua. E percebeu que ali ainda existia alguém. Reavivou a alma. Sua boca estava cheia de sensações. A dor também esconde em si o prazer. E para ela, o prazer era estar viva. Por dentro e por fora.
De repente viu que os rostos conhecidos já nao eram mais os mesmos. As pessoas ao redor já nao eram iguais. As bocas vincadas de antes, agora tinham contorno nos lábios. Sorrisos. E só então se deu conta que a tristeza morava ali, dentro dela. Só nela.
Pensou na vida que levara. Nas horas corridas, dias, semanas, meses. No tempo que gastara dentro daquele mundo. Na preciosidade que deixou escorrer por entre os dedos: Ela. Suspirou. Um suspiro de alívio e redenção.
Como tinha sido fraca pra não assumir o óbvio? Como pode se iludir com a realidade? Como viveu na utopia do infinito? Tudo é eterno até ter um fim.
Seu fim era esse: começar vida nova. Criou coragem e se libertou das amarras. No lugar das algemas do medo, existia agora sede de liberdade. Uma liberdade conquistada, pensada. Um dia criado. Uma ida sem volta.
Olhos sem venda, brilho no olhar. O desperdício do amor utópico não fazia mais parte do seu dia- a- dia. Sem amor romântico, sem eternidade.
Levantou, pagou a conta e se jogou no mundo...
Vou torcer cacho.

É noite e não me encontrei. Procurei no canto dos olhos, embaixo da língua, dentro do ouvido. Olhei atrás dos joelhos, na sola dos pés, na palma das mãos. Quebrei o espelho, colei seus pedaços e nada. Nada de mim.

Quero sair daqui, viajar por lábios e pousar em sorrisos. Bocas escancaradas, braços abertos e cheiro de gente. Eu quero viver!

Procuro "eu´s" como eu, espíritos livres, mentes abertas.Crianças grandes, jovens velhos, homens, mulheres, bichos. Quero calor, humanidade. Eu sei, me perdi.

Cansei dessa vida sem graça. Mesmas caras, companhias. Vozes iguais. Cansei de ser previsível. Me perdi na previsão.

Onde eu me acho? Vou procurar na noite, nas gotas de suor. Salivas alheias, últimas doses. Fuçarei no desconhecido, na música que entorpece. Nas vozes gritantes, na cortina fechada. Nos palcos da vida, no circo que é viver.

Agarrar o pôr-do-sol, comer o pão de acúcar. Ser redentora feito Cristo, brincar de esconde-esconde. Serei macho, fêmea, leoa! Ficarei torcendo cacho...me diz, onde eu me acho?

Palavras, palavras, palavras e uma certeza: Me perdi dentro de mim!
Amor em moldura
O primeiro amor é indecente. É o estupro da alma. Libido do coração. É como uma dose, aquela que você toma num gole só; Te tira dos eixos, te arranca os pudores, te deixa tonto e com vontade de “quero mais”.
Ele chega gritando, te escancarando. Põe fogo nos olhos e brasa nos lábios. Tuas mãos, em carne viva de desejo, não suportam o menor toque do outro. Teu corpo quer se encolher, adentrar, possuir aquele que te toca. Um ritual animalesco; Pelo com pelo.
Há um incêndio no teu eu, uma erupção. São lavas que escorrem da junção dos dois corpos. Fica um cheiro de coisa nova, um gosto de descoberta e uma sensação de eternidade.

O primeiro amor é inesquecível. É um céu na Terra. Paraíso particular. É como um bom vinho, aquele que você toma em pequenos goles. Te faz flutuar, te coloca no colo, te aconchega nos braços como canção de ninar.
Ele chega de mansinho, te galanteando. O que antes era lagarta, agora é borboleta. Tua carne, como em areia movediça, é tragada pelas carícias do outro. Homeopatia. Semelhante curando semelhante.
Há uma metamorfose em você, uma transformação. Fica o friozinho na barriga, queimação, olho no olho. Resta um sentimento de leveza, um quê de calmaria e uma sensação de eternidade.

O primeiro amor é inconseqüente. É transgressão da matéria. Miopia do ser. É como uma droga, aquela que te deixa em abstinência. Te mostra o novo, te leva pra longe, te arranca do casulo, despindo-o da cabeça aos pés.
Ele chega sufocando, tirando teu ar. Inquieta tua mente e acaba com a razão. Teu cérebro, dopado de endorfina, não se atreve a esquecer aquele que se ama. Tara. Impulso por impulso.
Há um misto de inocência e gozo, inexperiência do prazer. Em não se limitar vem as descobertas. Sobra a vida por viver, um romance nas estrelas e a mesma sensação de eternidade.

O primeiro amor é limitado. É um ciclo. Sonho bom. Eternidade finita. Fim de jogo!
In Definições

Não quero rótulos. Limitações. Definições. Busco a liberdade plena do meu ser; Poder ser quem eu quiser na hora que bem entender. Não preciso de molduras, encaixes em regras sociais, em máscaras que a sociedade cria. Não pedi a ninguém que me tome como um bibelô, uma criança necessitada de babá. Me deixem livre!
Não me vigiem, não me olhem com esses olhos de espanto, típicos dos hipócritas. HIPOCRISIA SIM! Esse mundo fantástico que criamos, onde existe o livre arbítrio seguido de dedos na cara é a nossa realidade. Não sejamos mentirosos, encabuladores da verdade. Digo mais, não sejamos inocentes em achar que o mundo é belo e cada um vive sua vida. MENTIRA! Muita gente vive a vida do outro. A vida que ela queria ter mas não pode, é covarde demais para isso. Então, é muito mais vantajoso se esconder sob o véu da religião, do puritanismo, das regras, do julgamento. Se despir dos pré- conceitos pra quê se é bem mais fácil julgar? Humanos...
Errar é humano, certo!? Consertar o erro é uma “evolução de espírito”. Mas o que dizer daqueles que insistem no erro? Seriam os pré- humanos? Se for assim, muita gente deveria estar numa escala abaixo da humanidade. Muitos de nós deveríamos ter vergonha de sermos chamados de “Seres Humanos”. SIM! Muitos de nós somos feios demais para isso. Impregnados de preconceitos, ódio, convenções. O mundo animal é quase sempre mais humano que o nosso. Não se vê “disse me disse”, fofoca, apontamento, deboche, discriminação. Se o Leão quer comer outro leão, problema é dele. Se a macaca quer dar pra outro macaco, que faça. Se o lobo quer ir embora de sua matilha, ele é livre. Ninguém é preso a ninguém. Não há cobranças, imposições!
Não estou aqui defendendo uma libertinagem, longe de mim. Só clamo pela liberdade. Que cada um seja livre pra ser o que quiser. “Eu não posso causar mal nenhum a não ser a mim mesmo...” A vida é minha, os riscos são meus. Me diz pra que você precisa “se preocupar” com seu vizinho? Deixa ele em paz, sendo o que lhe der na telha.
Já me acostumei com meus rótulos: Lésbica, drogada e afins. Vivi sempre de bem com eles. Não me importavam, estavam ali, guardados pra quem precisasse deles. Eu nunca precisei. Mas sei que muita gente os usou... que pena! Simplesmente me formatou a um modelo que está longe da minha essência. Eu agradeço àqueles que tiveram a sutileza de expandir meu ser, em enxergar através das aparências... Sorte de todos que levam ao pé da letra a máxima “As aparências enganam.” E como enganam!
Hoje me revoltei com as definições em geral. Principalmente as minhas, que são a que me interessam. Somente essas. As suas, deixo pra você. Eu não quero mais ser taxada como isso ou aquilo. Não quero ser limitada a adjetivos que os outros criam sem ao menos me consultar. Não quero! Direito meu! “Já que não me entendes, não me julgues, não me tentes...” Não me tente a ser o que não quero ser. Não tente me deixar como não sou.
E se eu fosse lésbica? Se fosse drogada? Casta? Piranha? Beata? O que isso iria implicar na vida alheia? Merda nenhuma! Pra que essas definições? Assim é mais fácil identificar aquilo/aquele que não conhece, que tem medo de conhecer? Ou melhor, assim você enxerga no outro o que gostaria de ser e não tem coragem de assumir? Pra primeira pergunta, larga mão dos julgamentos precipitados e se abre pro novo, pra ir fundo na essência de alguém. Descobrir que ela é muito mais do que atos e pele. Pra segunda, toma vergonha na cara e se assume como você é. Deixa o mundo ver o seu interior. Viver é muito melhor que existir!
E pra viver de verdade, uma coisa basta: LIBERDADE!

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    Um emaranhado de pessoas, gestos, palavras, cheiros, sensações, lembranças e um toque de personalidade. Conheço meus limites e nem por isso me limito. Em eterna busca de mim... Será que um dia me encontro por ai? Sem querer rotular, já me rotulei...

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